sexta-feira, 19 de agosto de 2011

"Teoricamente nada pode nos acontecer"

Foto da aeronave acidentada

            Em 26 de julho de 1979, uma aeronave Boeing 707-300C da empresa alemã Lufthansa, prefixo D-ABUY realizava o vôo LH 527, cargueiro regular que ligava a cidade de São Paulo a Frankfurt com escalas no Rio de Janeiro e em Dakar.
            A primeira parte da viagem foi realizada normalmente e uma nova equipe composta por 3 tripulantes (comandante, primeiro oficial e engenheiro de vôo) assumiu o vôo para completar seu maior trecho, ligando o Rio de Janeiro a Dakar.
            Às 18:05 o LH 527, com 3 pessoas à bordo, abastecido com 47.000Kg de combustível JET A-1 iniciou seu táxi até a cabeceira 27 do aeroporto do Galeão (atualmente cabeceira 28) e durante este procedimento foi orientado que, após a decolagem, deveria realizar curva à direita para aproar o VOR Caxias (CAX) mantendo 2.000 pés e chamar a freqüência do controle de aproximação.
            VOR é um auxílio à navegação aérea e trata-se de um radiofarol que emite uma freqüência de rádio para o equipamento de navegação da aeronave, dando a direção da mesma para a antena do VOR. Esta direção em linha reta é denominada radial. A maioria dos VORs, como é o caso do VOR CAX, também apresentam a distância entre a aeronave e o mesmo (Distance Measure Equipment ou DME).
            O procedimento adotado pelo controle de aproximação para as aeronaves que se dirigiam para o setor norte e nordeste do aeroporto e transmitido pela torre para o LH 527, possuía uma restrição à subida normal, com objetivo de evitar conflito com uma aeronave sobre CAX em aproximação para o Aeroporto Santos Dumont (PP-VLY) e outra na perna do vento da pista 27 do Aeroporto do Galeão (Varig 409).
            Cabe aqui ressaltar a proximidade dos aeroportos que aliada ao relevo da região obrigava que as aeronaves em aproximação para o Aeroporto Santos Dumont cruzassem a área do Aeroporto do Galeão a baixa altitude, restringindo as decolagens e necessitando que as aeronaves que decolavam das pistas 27 e 32 do último efetuassem curva à direita com sobrevôo do setor norte do aeródromo, necessitando muita atenção de todos envolvidos.
Aeroporto do Galeão e Aeroporto Santos Dumont
            Ao receber a instrução de saída, o comandante do LH 527 se mostrou um pouco confuso com o procedimento e, ao questionar o controlador da torre, lhe foi transmitida a mesma instrução e que deveria chamar o controle de aproximação logo em seguida.
Este diálogo levou aproximadamente 4 minutos e, com esse pequeno atraso, o tráfego que impunha restrição ao procedimento normal a ser executado pelo LH 527 evoluiu de forma a não mais ser necessária tal restrição. Porém, essa situação não foi informada ao controlador de saída, que manteve as instruções dadas à tripulação.
            Às 18:27 o LH527 deixava o solo do Galeão e logo em seguida passou a comunicar-se com o controle de aproximação do Rio.
 Neste momento passamos a acompanhar os diálogos estabelecidos entre a tripulação o controle de aproximação. A transcrição está segmentada para facilitar a compreensão. Palavras entre parênteses sublinhadas são meramente explicativas e não fazem parte da transcrição oficial.

LH 527 = Lufthansa 527
APP = Controle de Aproximação

18:28
LH 527: Galeão, LH 527, boa noite.
APP: 527, Rio, prossiga LH.
LH527: Nós estamos passando 1.500 pés para Caxias.
APP: Vire à direita, rumo 040, virando à direita, rumo 040 e mantenha 2.000 pés até próximo aviso, LH527, e aumente sua velocidade se possível.

            A tripulação do LH 527 não foi informada sobre o motivo das restrições, porém seguiu as instruções dadas pelo controle, tanto que já voava no rumo 040 a 2.000 pés poucos segundos depois.
    No entanto, a saída 16 que era executada pelo LH 527 possuía uma restrição de velocidade de no máximo 250 nós abaixo de 10.000 pés, o que não foi verificado pela tripulação que entendeu a instrução do controlador como uma liberação total de velocidade.
            A conversa entre os pilotos gravada pelo cockpit voice recorder mostra exatamente esta situação, somada a certo desconforto por estar voando com uma grande aeronave, a baixa altitude e sem contato com o controlador há cerca de 1min30s.

18:28 47 – Ele só falou aumente sua velocidade.
18:29 04 – Eu estou no 2 agora. (provavelmente referindo-se ao rádio VHF2)
18:29 29 – Nós estamos sob controle radar, isto significa que teoricamente nada pode nos acontecer. Bem, Caxias está 20 a 23 milhas a 2.000 pés e subindo para 4.000.

            Cerca de 30 segundos após esse diálogo o controlador, que até então estava lidando com outros tráfegos, volta a sua atenção para o LH 527 e é surpreendido pela posição da aeronave, além da distância de 10NM (milhas náuticas) da tela do seu radar onde, por seus cálculos, a mesma deveria estar. No entanto, a aeronave já voava perigosamente próxima a Serra dos Macacos. Neste momento voltamos ao diálogo entre o controle e a aeronave.

18:31
APP: LH, vire à direita rumo 140 agora.
APP: LH 527, vire à direita no rumo 140 e suba sem restrições.
LH 527: Ciente, deixando 2.000 pés, LH 527, virando à direita no rumo 140
APP: Continue virando à direita até o rumo 160, LH, e aumente sua razão de subida para 3.000 pés por minuto.

            O LH 527 não cotejou a primeira instrução embora tenha iniciado a curva conforme instruído. A última chamada do controle coincidiu com o som do GPWS (Ground Proximity Warning System) da aeronave, indicando que esta voava perigosamente próxima do solo.
            Neste momento a tripulação executou uma curva ascendente de aproximadamente 3.2Gs (3.2x a força da gravidade) o que, no entanto não evitou a colisão da asa esquerda com algumas árvores e a posterior desintegração da aeronave numa trajetória de 800 metros. Após o impacto a aeronave pegou fogo. Não houve sobreviventes.
Foto do local da colisão
            A investigação das causas do acidente ficou sob responsabilidade do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) que, após verificar que não havia indícios de defeito na aeronave, voltou a atenção para os diálogos entre a aeronave e o controle além do serviço de vetoração radar prestado.
            A Instrução do Comando da Aeronáutica ICA 100-12, que atualmente determina as regras do ar no Brasil, em seu item 14.2.1 estabelece que “a vetoração radar é o mais completo serviço radar proporcionado. Sempre que uma aeronave estiver sob vetoração radar, será proporcionado controle de tráfego aéreo e o controlador será responsável pela navegação da aeronave, devendo transmitir para a mesma as orientações de proa e mudança de nível necessárias”.
            Na época do acidente, estava em vigor a MMA-DEPV 60-06, que possuía a mesma redação do item acima citado.
            No relatório final do acidente, o CENIPA aponta algumas falhas do serviço de controle de tráfego aéreo relativas à carga de trabalho e instruções emanadas pelo controlador durante a vetoração radar.
            Quanto à carga de trabalho, no momento do acidente o serviço de controle de tráfego aéreo era executado através de três scopes (posições ou telas de radar) ao invés de quatro que eram normalmente utilizadas. Além disso, a coordenação entre o controle de aproximação e a torre de controle do Galeão que deveria estar sendo realizada pelo controlador assistente de chegada estava sendo realizada pelo controlador assistente de saída. 
            No momento do acidente, o controlador de saída vetorava 5 tráfegos simultaneamente, sendo 4 no setor sul e 1 no norte, justamente o LH 527. Assinala o CENIPA em seu relatório final que no momento em que o LH 527 exigia a máxima atenção do controlador, este tinha a atenção desviada com situação de conflito de tráfegos no setor sul, que exigiam sua intervenção imediata, o que foi feito, porém emitindo instruções desnecessariamente detalhadas e extensas para outros tráfegos.
         Ressalta ainda que o serviço de vetoração radar exige intensa elaboração mental do controlador, não sendo recomendável ter mais de 4 aeronaves sob vetoração simultaneamente. Sendo assim, quando o controlador mais necessitava da atuação do seu assistente, ele estava realizando tarefa que competia ao assistente de chegada final, gerando um aumento na carga de trabalho do controlador de saída.
            Outro fato relacionado ao controle de tráfego aéreo destacado pelo CENIPA foram instruções incompletas dadas ao LH 527.
            Ao informar à aeronave de que ela se encontrava sob vetoração radar, o controlador deveria informar o motivo e o procedimento alternado em caso de falhas de comunicação, o que não foi feito.
          Além disso, ao solicitar que a aeronave aumentasse sua velocidade, o controlador não informou o limite pretendido e essa solicitação, como pode ser depreendido dos diálogos, foi entendida pela tripulação como uma liberação total de velocidade.
Porém, havia uma restrição de velocidade de no máximo de 250 nós abaixo de 10.000 pés dentro da Terminal Rio. A instrução dada pelo controlador tinha a intenção de que a aeronave não ultrapassasse a velocidade máxima da terminal e, no entanto, esta velocidade foi excedida pelo LH 527.  O excesso de velocidade, somado a um vento de cauda de 13 nós, fez com que a aeronave entrasse na área crítica mais rapidamente do que o controlador esperava.
Como em todo acidente, e neste não poderia ser diferente, uma série de fatores contribui para seu acontecimento. Restava uma pergunta a ser respondida: como a tripulação não notou que estava entrando em uma situação de perigo iminente?
Ao analisar a atuação da tripulação, o CENIPA levou em consideração principalmente os diálogos gravados pelo Cockpit Voice Recorder. Neles se tem uma forte noção de que a tripulação confiava plenamente que estava sendo monitorada pelo controlador em sua vetoração, tanto que cerca de 1 minuto antes da colisão, o comandante profere a emblemática frase “estamos sob vetoração radar, isto significa que teoricamente nada pode nos acontecer”.
Um segundo aspecto levado em consideração foi a carta de saída utilizada pela tripulação, pois a mesma era editada pela empresa, centrada no VOR Caxias e orientada para o norte verdadeiro.
No diálogo da tripulação pode-se verificar que o comandante consultava a carta, uma vez que menciona que Caxias está 20 a 23 milhas a 2.000 pés e subindo para 4.000.            A análise do CENIPA afirma que o comandante verificava na carta que poderia voar até 23 milhas DME do VOR Caxias a 2.000 pés e, posteriormente, deveria subir para 4.000 pés. Porém, o comandante provavelmente julgou que a carta era orientada para o norte magnético e interpretou o seu curso 040º magnéticos á direita (ou mais ao sul) do que realmente estava. Não percebendo a variação de 19º a oeste indicada na carta, ele provavelmente julgou estar mais ao sul, onde voar a 2.000 pés ainda seria seguro por mais um tempo.
Soma-se a isso a pouca experiência do comandante voando na região já que era apenas sua terceira missão no Rio de Janeiro e, no momento da colisão, era ele o responsável pelo monitoramento da navegação.
Trajetória aproximada do LH 527
Por fim, o CENIPA analisou a ultima instrução dada pelo controlador, quando este já havia verificado a situação perigosa em que se encontrava o LH527. Ao solicitar que a aeronave realizasse curva para livrar os obstáculos, o controlador com voz apenas ligeiramente alterada, utilizou o termo em inglês “just now” ao invés de “immediately” não transmitindo à tripulação a iminência do perigo, tanto que até o soar do GPWS na cabine a mesma realizava a curva de modo suave, não demonstrando sensação da proximidade com os obstáculos.
Como em todas as investigações de acidentes aéreos, o principal objetivo não é apontar culpados, mas que sejam evitadas novas tragédias.
O CENIPA em seu relatório final apontou como recomendações, entre outras:
- utilizar a vetoração radar somente em casos de necessidade operacional;
- que os controladores tenham em mente que uma espera em solo é mais interessante em todos os aspectos do que vôos a baixa altitude e alongamento de trajetórias;
- que pilotos devem sempre efetuar sua própria navegação, checando todas as instruções e dirimindo todas as dúvidas;
- que todas as cartas aeronáuticas para uso em área terminal devam ser orientadas para o norte magnético.
Atualmente, nenhuma saída do Aeroporto Internacional do Galeão utiliza a rota adotada pelo Lufthansa 527.


Texto: André Werutsky
Fotos:  1 – Wolfang Mendorf. ©Airliners.net
            2 – André Werutsky (ilustração Google Earth)
            3 – Marcos L. Britto (disponível em http://www.trekkbrasil.blogspot.com/)
4 – André Werutsky (ilustração Google Earth)

Fonte de pesquisa:
Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos. Relatórios Finais de Acidentes Aeronáuticos 1975 a 1979. N. 8 Volume II.

10 comentários:

  1. Site muito interessante, André! Parabéns pelo trabalho! Abraço!

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  2. Ótima matéria. Faltou apenas a carta de subida da época.
    Abraço.

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  3. Ótima matéria. Faltou apenas a carta de subida da época.

    Abraço.

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  4. Moro próxima ao local do acidente... Ainda é muito nítido na rocha, a marca onde á asa esquerda do avião colidiu

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    1. Então meu nobre, akela marca na pedra,não é do avião,o avião colidiu na montanha ke tem cara de macaco por tras dessa ke tem a marca,enclussive eu tenho uma foto dessa montanha de quase um seculo atras,e a marca da montanha já estava lá

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    2. Eu moro na região também,e já pesquisei muito com pessoas da época,e a informação é ke o avião colidiu no alto da montanha no bairro da Taquara DC e caiu no bairro do Fragoso no meio da mata,um funcionário da imbel me falou ke partes do avião caiu a 500 metros de um gualpg de material belibé do exército ou seja,por mais um pouco o desastre teria sido pior...

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  5. Tenho fotos das peças e tô sempre no local da queda. Quem estiver interessado... Só chamar 021994130084. Rodrigo

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  6. Olásou vitor amigo do rodrigo que tambem fez um comentario realmente ele está falando a verdade sempre estamos nos locais da queda pois as peças estão espalhada em varios pontos da mata voo da morte 26 de julho de 1979

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  7. Parabéns pelo belíssimo trabalho e por nos dar essa orientação.

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